Ex-delegado do DOPS teria incinerado corpo de pai do presidente da OAB
Diferente do que disse o presidente Jair Bolsonaro (PSL), o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em 2014, indicou que Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi morto por órgãos de repressão da Ditadura Militar. No documento não há indícios de que Santa Cruz, integrante de um grupo revolucionário contrário aos militares, pudesse ter sido morto por seu correligionários, como sugeriu Bolsonaro nessa segunda-feira (30).
Apesar de o corpo de Fernando Santa Cruz nunca ter sido encontrado, o relatório da Comissão apresenta duas hipóteses para o desaparecimento dele. Ele teria sido incinerado no Rio de Janeiro ou enterrado como indigente em uma vala comum em São Paulo. Nos dois casos, a morte do pai do presidente da OAB é atribuída a agentes do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
Essas hipóteses ganham força, porque um documento secreto da Aeronáutica, anexado ao relatório da CNV e divulgado pelo jornalista Bernardo Mello Franco, confirma que Fernando Santa Cruz estava sob custódia do estado desde 22 de fevereiro de 1974.
Usina Cambahyba
Na primeira das versões relatadas pelo colegiado, Santa Cruz, que era pernambucano, teria sido encaminhado para a Casa da Morte, um centro de tortura em Petrópolis, uma cidade na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O corpo dele teria sido incinerado em uma usina de açúcar. Esta hipótese em como base o depoimento do ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, Cláudio Guerra.
Em depoimento à CNV, Guerra disse que incinerou vários corpos de militantes mortos pela Ditadura, entre eles o de Fernando Santa Cruz, e que teria utilizado a Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, também no Rio de Janeiro, para realizar a “queima de arquivo”.
Atestado de óbito
Vinculada ao Governo Federal, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos emitiu uma retificação de atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, na última quarta-feira (24), na qual reconhece que sua morte ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”. A retificação foi emitida cinco dias antes de o presidente Jair Bolsonaro atacar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, e colocar em dúvida a versão de que seu pai, Fernando, foi morto pelas Forças Armadas, durante a Ditadura Militar. No atestado de óbito, também consta que Fernando Santa Cruz morreu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.
“Conforme reconhecido às páginas 1.601/1.607, do Volume III, do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, faleceu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro/RJ, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”, diz o documento.
Avó do presidente da OAB e mãe desaparecido político Fernando Santa Cruz, Dona Elzita Santa Cruz, faleceu no dia 25 de junho deste ano sem ter o direito de sepultar o filho. Ela ficou conhecida por lutar pela verdade após o sumiço de Fernando, quando chegou a percorrer prisões e unidades militares, enviar cartas aos ministros de Estado e presidentes da República, além de solicitar ajuda da Anistia Internacional e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em busca do filho.
‘Não foram os militares’
Bolsonaro falou na tarde dessa segunda-feira (29) que Santa Cruz foi morto pelos correligionários que combatiam a ditadura a fim de evitar o vazamento de informações confidenciais. “Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz”, afirmou. “Não foram os militares que mataram ele não, tá? É muito fácil culpar os militares por tudo que acontece.”
JC Online
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