Câmeras reduzem em 61% uso da força por policiais, mostra 1º estudo sobre modelo no Brasil
Foto: Adriano Abreu
Um grupo de pesquisadores concluiu neste mês um estudo em que analisa os efeitos de câmeras corporais em ocorrências com policiais militares de Santa Catarina. A conclusão é que os equipamentos levaram a uma redução de 61,2% no uso da força (como contatos físicos e uso de algemas) pelos agentes, com melhoria também na eficiência dos registros e encaminhamento dos casos. A análise ocorre em um momento em que essa tecnologia está em uso pela PM de São Paulo e em expansão em outras corporações do País.
É o primeiro estudo dessa natureza a ser conduzido no Brasil e na América Latina, uma vez que as análises anteriores tinham focado em experiências nos Estados Unidos e no Reino Unido. E a conclusão brasileira mostrou pela primeira vez, de forma consistente, os efeitos positivos das câmeras na atividade policial.
“Os resultados mostraram que câmeras corporais são efetivas em melhorar a natureza da interação polícia-cidadão – em contraste com a literatura existente. As câmeras reduziram o uso da força pela polícia em 61,2% e melhoraram a precisão dos informes (relatórios) policiais”, escreveram quatro pesquisadores de quatro diferentes instituições: universidades de Warwick e Queen Mary, London School of Economics (essas no Reino Unido) e da PUC-Rio.
Os dados foram coletados em ocorrências do ano de 2018 e cerca de 450 policiais participaram do estudo, dos quais 150 usaram as câmeras e os outros 300 participaram do chamado grupo controle, o que permitiu uma comparação adequada do efeito dos equipamentos. Os dados da análise foram tornados públicos na sexta-feira, 24. Esses agentes atuaram em ocorrências nas cidades de Florianópolis, São José, Biguaçu, Tubarão e Jaraguá do Sul.
“O experimento tem implicações políticas importantes. Primeiro, os resultados sugerem que as câmeras são efetivas em coibir a violência policial, o que indica que usá-las pode aumentar a responsabilidade de policiais”, apontaram os especialistas.
A redução do uso da força nos casos analisados se deu particularmente em relação a ocorrências de menor gravidade, em uma escala feita pela própria polícia. Ocorrências de alta gravidade são configuradas, por exemplo, em casos de disparo de arma de fogo. “Isso sugere que as câmeras afetam a dinâmica da situação ao prevenir a escalada da tensão que iria se desdobrar durante operações de rotina”, apontam.
O uso da força foi definido como interações físicas, letais ou não letais, além de prisões e uso de algemas. Um outro indicador foi chamado de interação negativa, o que inclui ainda registros de que o cidadão desobedeceu ou desacatou o policial.
O uso da força pode ser considerado legítimo e é previsto em protocolos policiais em determinadas circunstâncias. As câmeras, destacam os especialistas, podem servir como solução tecnológica para aumentar o escrutínio e a supervisão sobre a tropa. Ainda que as imagens captadas não tenham sido objeto de análise pelos pesquisadores nesse caso, o que eles reforçam é que a presença dos equipamentos funcionou para mitigar eventuais escaladas de violência nas interações entre os policiais e os cidadãos.
Um outro achado mostrou que agentes de patentes menores, como soldados, apresentaram maiores reduções de interações negativas enquanto estavam com as câmeras. “Implementar câmeras pode ser um passo importante em direção à redução do uso excessivo da força pela polícia. Mas para assegurar que as câmeras são eficientes é importante considerar incentivos de carreira que existem para policiais que usam as câmeras”, detalham os pesquisadores. “Se os agentes estão preocupados com a progressão da carreira, é mais provável que eles ajustem a conduta ao protocolo, temendo possíveis repercussões.”
Os dados apontaram ainda que no grupo de agentes com câmeras o encaminhamento de ocorrências à Polícia Civil foi 9,2% mais frequente e incluiu vítimas também mais vezes (19,6%). Casos de violência doméstica foram mais reportados por policiais que possuíam o equipamento de gravação. Interações negativas foram reduzidas em 44,2%.
“É difícil pensar em uma outra política que tenha apresentado um impacto tão forte como o que teve a implementação das câmeras corporais. O que pode estar por trás? Há a indicação de redução de uso excessivo da força, além do estipulado pelo protocolo, pelos policiais que sabem que estão sendo gravados, mas pode haver também uma cooperação maior do cidadão ao ver a câmera”, diz Pedro Souza, professor do Departamento de Economia e Finanças da Universidade de Queen Mary, um dos autores do estudo.
Ele destaca o efeito mais presente notado em ocorrências de baixa gravidade, mais do que em casos de alto risco policial, como tiroteios. “Notamos o efeito das câmeras principalmente em dinâmicas que começam simples, sem maior complexidade. É uma tecnologia que evita que a violência de situações triviais escale, que a situação se degenere”, aponta.
Souza reforça a importância de políticas públicas serem fomentadas a partir de evidências. “Tempo e recursos devem ser gastos em projetos que têm eficácia. A entidade pública deve seguir evidências que nascem a partir desse processo de avaliação para, a partir daí, replicar a experiência.”
A Polícia Militar de Santa Catarina iniciou o uso de câmeras corporais em julho de 2019. Desde então, a corporação tem ampliado o uso dos equipamentos e atualmente dispõe de 2.245 câmeras corporais. Segundo informou a PM-SC, em todos os turnos operacionais, pelo menos um dos dois policiais de cada guarnição está equipado com câmera.
Um dos objetivos das câmeras corporais é o de assegurar a integridade das incursões policiais, para verificação dos protocolos de ação policial, e diminuir a letalidade. Mesmo assim, em 2020, durante a pandemia, foram registradas 83 mortes em confrontos com a PM de SC, um aumento de 14%. As mortes em confronto com a Polícia Militar em Santa Catarina representaram no ano passado 12% das mortes violentas registradas no Estado (691 registros).
Ainda no ano passado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que é parceiro da PM na implantação da tecnologia através do Conselho Gestor de Penas Pecuniárias, pediu cumprimento do acordo inicial do programa que previa o acionamento das câmeras corporais de forma automatizada no início da ocorrência.
Além da retomada da gravação das ocorrências de forma automática, sem que o acionamento se dê pelo próprio policial, também ficou estabelecida a criação de uma comissão formada por integrantes do Judiciário, da PM e do Ministério Público (MP) para avaliar se o projeto necessitará de ajustes futuros.
“A Polícia Militar de Santa Catarina trabalha diariamente em seus protocolos operacionais para que as ocorrências sejam atendidas de acordo com os mesmos. Desta forma, diminuir a letalidade policial recebe uma atenção especial, mas dentro dos procedimentos protocolares já citados, preservando a segurança dos envolvidos”, afirmou o comandante-geral da PMSC, coronel Dionei Tonet.
“Cada comando de batalhão realiza sequencialmente trabalhos com as suas equipes para apurar detalhes que possam melhorar ainda mais a utilização deste equipamento, em que Santa Catarina foi pioneira no país no seu uso efetivo”, acrescentou Tonet.
A Polícia Militar de São Paulo viu a letalidade de agentes de 15 batalhões cair para zero durante o mês de junho, em meio à implementação do uso de câmeras corporais nessas unidades. A redução afetou o dado geral de mortes pela polícia no Estado, que caiu 53% na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Entre os batalhões que passaram a trabalhar com as câmeras que gravam o tempo todo está as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). A PM fechou um acordo com o Tribunal de Justiça para que vídeos como esse possam estar à disposição dos juízes nas audiências de custódia, que assim podem verificar a regularidade da prisão. POR TRIBUNA DO NORTE
Escreva sua opinião
O seu endereço de e-mail não será publicado.