Caso José Carlos: inquérito é arquivado
Foto: Adriano Abreu
Um ano após o sumiço e do garoto José Carlos, de 8 anos, jovem morador da zona Norte de Natal, que foi encontrado morto com sinais de violência em 12 de novembro, a Justiça do Rio Grande do Norte arquivou o inquérito policial sem indiciar nenhum culpado, em virtude da morte de um suspeito de ter praticado o crime, em abril deste ano.
Ninguém foi preso pela morte de José Carlos. Ele foi uma das 10 crianças entre 5 e 9 anos que foram mortas no Estado em 2020. Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) colocou o RN com a 2ª maior taxa de mortes violentas contra crianças da idade de José Carlos no Brasil em 2020.
De acordo com o TJRN, foi declarada a extinção da punibilidade do indivíduo. “O caso pode ser desarquivado se surgirem novas provas, que indiquem eventual participação de outros indivíduos neste crime”, diz a nota do Tribunal de Justiça enviada à TRIBUNA DO NORTE.
A mãe de José Carlos, Ozenilda das Dores da Silva, 37 anos, conversou com a reportagem da TN e disse que “sente muita dor do mesmo jeito, não estou vendo polícia investigando nada. Não tem nenhuma solução do caso. Quero justiça”, cita.
O pequeno de 8 anos desapareceu no dia 21 de outubro de 2020, quando saiu de casa sozinho na Redinha, nas proximidades do Rio Doce, para entregar um suco ao irmão que trabalhava no semáforo da Avenida João Medeiros Filho com a Moema Tinoco. O corpo dele só foi encontrado no dia 12 de novembro.
O cadáver foi encontrado quando uma mulher estava no local apanhando cajus e sentiu um cheiro forte. Ela chamou outros populares e, ao encontrarem o corpo, chamaram a Polícia. O corpo estava vestido com um abadá de carnaval, justamente a roupa que o garoto usava quando desapareceu.
Antes, familiares e amigos promoveram protestos cobrando agilidade e buscas sobre o desaparecimento e fizeram buscas por conta própria. Durante as investigações, cães farejadores do Corpo de Bombeiros da Paraíba foram utilizados nas buscas por pistas onde o garoto pudesse ter caminhado antes de sumir. Durante os trabalhos com os cães, os bombeiros da Paraíba mostraram uma roupa de José Carlos para que os animais pudessem farejar algum rastro nas imediações da casa do menino, mas um erro operacional fez com que o corpo não chegasse a ser visto pelos cães.
RN tem 2ª maior taxa de mortes entre crianças
O Rio Grande do Norte tem a segunda maior taxa de mortes violentas entre crianças de 0 a 9 anos no Brasil, segundo um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A taxa por 100 mil habitantes é de 1,98, ficando atrás apenas de Roraima (2,02). Em seguida aparecem Mato Grosso do Sul (1,48) e Rondônia (1,47).
De acordo com o estudo, que traz dados de todos os estados do País, 213 crianças de 0 a 9 de idade foram mortas violentamente no Brasil em 2020. No RN, foram 10 vítimas nessa faixa etária.
Em relação a vítimas de 10 a 19 anos, o Estado vem apresentando uma redução nas taxas de mortes violentas intencionais. Em 2020, a taxa foi de 34,65 por 100 mil habitantes, sendo a 6ª maior do Brasil. Foi o menor índice desde 2016.
Segundo o estudo, considerando crianças de 0 a 9 anos, as características das morts são diferentes daquelas das vítimas de 10 a 19 anos no Brasil.
“O perfil das vítimas apresenta fortes indícios de que a principal causa das mortes de crianças mais novas é a violência doméstica. Para crianças mais velhas e adolescentes, a violência armada típica das áreas urbanas brasileiras torna-se o maior risco de violência letal14. A faixa de 10 a 14 anos constitui um período de transição entre o risco de violência doméstica e o de violência urbana”, diz o estudo.
Estupros de crianças e adolescentes crescem 16% no RN
Os estupros de crianças e adolescentes cresceram 16% no Rio Grande do Norte em 2020 com relação a 2019. Em números absolutos, foram 434 casos registrados de acordo com dados da Unicef. Em 2019, foram 373. Para a delegada Igara Rocha, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), houve uma demanda reprimida de Boletins de Ocorrência no começo da pandemia, tendo um “boom” após as flexibilizações.
Segundo a delegada, o aumento pode estar associado a uma série de fatores, entre eles um maior acesso à informação por parte das famílias, o isolamento social imposto pela pandemia de coronavírus e o fechamento das escolas, que segundo ela, são agentes importantes na identificação de agressões.
“O fato da criança estar fora da escola, quer dizer, ela passou a ficar o dia todo em casa com aquela pessoa que tem acesso à vítima, à casa, desfruta de confiança. Aquela vítima não tinha como pedir socorro. A escola faz parte dessa rede de proteção. Os professores identificam, veem mudança de comportamento e denunciam, seja para conselho tutelar ou para DCA”, analisa.
A delegada cita ainda sinais que os pais devem identificar no dia a dia dos filhos que que em alguns casos, podem significar abusos ou agressões sofridas pelas crianças.
“Algo a ser observado é a mudança de comportamento. Crianças, adolescentes, que eram interessados em sala de aula não têm mais essa vontade. A criança era feliz e agora se tornou triste, introspectiva. Esses sinais psicológicos. E de repente engorda muito ou emagrece, além das auto-mutilações, bem comum entre meninas. Tem o distúrbio do sono, pesadelos”, exemplifica.
Na avaliação do psicólogo Gilliard Medeiros Laurentino, que presta serviços ao Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-RN), a Casa Renascer, mais de 80% dos casos de estupros acontecem dentro das residências.
“Com a pandemia, consequentemente as crianças e adolescentes que estavam mais vulneráveis ficavam mais tempo com os agressores e a violência tendeu a aumentar”, cita.
Gilliard aponta ainda que é necessária uma política de educação sexual a nível de Natal e Rio Grande do Norte nas escolas. Ele citou o projeto de lei aprovado na Câmara de Natal neste ano, intitulado “Escola que Cuida”, que inclui no currículo municipal diretrizes para prevenção do abuso sexual infantil.
“Quando trabalhamos a educação e a prevenção a violência sexual nas escolas, conseguimos evitar muitas violências. Se a gene deixa isso para os pais, contrapõe os dados estatísticos que dizem que 80% acontecem em casa. Então vamos deixar para o violador fazer essa prevenção? Não tem sentido”, completa. POR TRIBUNA DO NORTE
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