‘Você vai numa casa noturna e mulher não paga. Quem é o produto? A mulher’, diz empresário da noite

Se uma denúncia de estupro como a feita contra o jogador Daniel Alves na Espanha ocorresse em um bar no Brasil, o estabelecimento estaria preparado para dar apoio à vítima? O governo de São Paulo sancionou nos últimos dias duas leis que obrigam bares, restaurantes e casas noturnas a auxiliar a mulher em risco e a capacitar funcionários para combater assédio e violência. Mas, para o empresário Facundo Guerra, a questão de como evitar abusos na noite e em festas é muito mais desafiadora, pois envolve mudança de cultura e coragem para coibir medidas aparentemente inofensivas, como mulher pagar menos que homem.

“Um caso como esse que aconteceu em Barcelona deve acontecer todos os dias no Brasil, tá?”, diz Facundo, com a experiência de 17 anos administrando casas noturnas badaladas de São Paulo. CEO do Grupo Vegas, que reúne espaços como Cine Joia, Club Yacht, Lions Nightclub, Riviera, Bar dos Arcos e Z Carniceria, ele falou em entrevista à Rádio Eldorado sobre como a privacidade de áreas vip mundo afora favorece abusos como o relatado pela jovem de 23 anos dentro de uma boate espanhola ao denunciar Daniel Alves, preso desde 20 de janeiro, e o da influencer Mariana Ferrer, que denunciou estupro em uma balada de Florianópolis em 2018. O acusado acabou inocentado por falta de provas, mas a comoção gerada pelo caso resultou na criação da chamada Lei Mariana Ferrer, para coibir humilhação de vítimas e testemunhas em processos judiciais.

“Esses lugares vendem privacidade para as pessoas que são muito ricas”, afirma. “Quando você vai na área vip, não tem um segurança porque essas pessoas muito ricas querem anonimato. Nessas áreas se consomem abertamente drogas, nessas áreas você permite que uma mulher seja arrastada para um banheiro que não tem diferenciação de gênero e seja estuprada (…) Se vendeu para o Daniel e para os homens que o estavam acompanhando naquela noite que essa era uma área isolada do olhar do outro. Isso não pode mais acontecer. Pessoas que têm muito dinheiro não podem ter acesso a espaços privativos entre aspas, lugares onde se vende álcool abundantemente, em que por acaso possa permitir um contexto onde um crime como esse vai acontecer.”

Para o empresário, práticas como ingresso mais barato e drinque à vontade para mulher são normalizadas, ainda que criem um contexto social para crimes sexuais. “Eu vou te dar um exemplo muito prático: quando você vai numa casa noturna e mulher não paga até meia-noite, quem é o produto? A mulher. Open bar para a mulherada até meia-noite. Quem é o produto? É a mulher. O contexto está construído de forma que as mulheres sejam entendidas como produto, para que os homens paguem mais caro, arquem com o que seriam os ingressos das mulheres porque eles vão entrar lá e acessar essas mulheres que vão estar fragilizadas pelo álcool.”

Estadão

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