Brasil registrou mais de 46 mil assassinatos em 2022, no quarto ano seguido de índice estável, aponta Atlas da Violência
O mais recente Atlas da Violência, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta terça-feira, aponta para uma estabilidade no número de homicídios registrados no país em 2022, que se mantém desde 2019. Ao todo, houve registro oficial de 46,4 mil assassinatos no Brasil durante o ano em questão, de acordo com a pesquisa. Quando considerados os homicídios estimados — que somam também registros de mortes violentas por causa indeterminada, chamados de “ocultos” —, o número chega a 52,3 mil. Nesse cenário, é como se 143 pessoas tivessem sido assassinadas por dia em solo brasileiro.
Os 46,4 mil assassinatos registrados oficialmente em 2022 representam uma diminuição sutil de 3% em relação ao ano anterior e de 18,6% na comparação com 2012, quando a pesquisa começou a ser feita. A taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes no país, agora de 21,7, é 3,6% menor que em 2021 e 24,9% menor do que no início da série histórica.
Em 2022, as maiores taxas de assassinatos a cada 100 mil habitantes foram registradas no Norte e no Nordeste, com destaque para Bahia (taxa de 45,1), Amazonas (taxa de 42,5), Amapá (taxa de 40,5) e Roraima (taxa de 38,6). Apenas dois estados registraram crescimento na taxa em relação ao ano anterior: Rondônia (+2,8%) e Piauí (+3,4%).
Em nenhum estado houve mais registro de mortes violentas que na Bahia: 6,7 mil assassinatos — ainda assim, 6% a menos que no ano anterior. Rio de Janeiro (3.762 homicídios), Pernambuco (3.409 homicídios), São Paulo (3.212 homicídios), Ceará (3.030 homicídios), Pará (2.901 homicídios) e Minas Gerais (2.699) vêm depois, entre os estados mais violentos.
A pesquisa do Atlas observa que, após relativa estabilidade na taxa de homicídios registrados no Brasil entre 2012 e 2015, observou-se crescimento nos índices de letalidade nos anos de 2016 e 2017, seguido por forte redução até 2019. Essas taxas permanecem estáveis até 2022.
Assassinatos ‘ocultos’ correspondem à queda de 160 boeings
No que diz respeito aos homicídios estimados, os pesquisadores somaram os registros oficialmente reconhecidos de assassinatos aos crimes que foram registrados como “mortes violentas por causa indeterminada”. Neste cenário, o país contabilizou 52,3 mil mortes estimadas.
“Considerando o período entre 2019 e 2022, concluímos que ocorreram no Brasil 24,1 mil homicídios ocultos, que passaram ao largo das estatísticas oficiais de violência no país. Tais homicídios, cujas causas verdadeiras o Estado não reconheceu, corresponderiam a tragédias invisibilizadas como a queda de 160 boeings totalmente lotados sem sobreviventes”, explica o relatório.
Neste critério, São Paulo daria um salto para 5,6 mil assassinatos. No Rio, o número cresceria para 4,6 mil. Na Bahia, as mortes violentas ultrapassariam as 7 mil. Ainda assim, a média nacional apresentaria uma queda sutil, de 1%.
Da queda nos índices à estabilização
No relatório, os pesquisadores afirmam que um elemento que certamente ainda tem pressionado para cima as taxas de homicídio diz respeito à expansão das facções criminosas, sobretudo a partir da década de 2000, envolvidas em disputas pelo controle do tráfico de drogas nas maiores cidades, e depois nas médias e pequenas cidades, num processo de interiorização.
Explicam ainda que, a partir da década de 2010, a disputa mais aguerrida por territórios e pelo controle do corredor internacional de narcotráfico, no Norte e Nordeste, entre as duas maiores facções do país e seus aliados regionais, fez estourar uma guerra intensa nos anos de 2016 e 2017. Nesse período, analisam, o número de mortes aumentou sobretudo nos municípios que cortam a região do Alto do Juruá, no Acre, e avançaram por toda a rota do Rio Solimões, chegando até as capitais nordestinas, quando a cocaína procedente da Bolívia e Peru é exportada para outros continentes.
Por outro lado, segundo os pesquisadores, contribuiu para a diminuição dos homicídios o fato de o país ter passado pela maior transição demográfica de sua história a partir dos anos 2000, rumo ao envelhecimento da população. Acrescentam ainda que, como outro fator a atuar pela queda de homicídios, cita-se o maior controle de armas de fogo a partir de 2003 com a sanção do Estatuto do Desarmamento (ED).
“Um terceiro elemento que conspirou a favor da redução de homicídios refere-se a um conjunto de políticas de segurança pública qualificadoras em alguns estados e municípios, que foram pautadas pelas evidências do que funciona e orientadas por resultados”, diz o estudo, que chama tal fenômeno de “revolução invisível”.
Os estudiosos analisam, no entanto, que a partir de 2019 a velocidade na redução dos homicídios começa a perder força. “Entre 2019 e 2022, a variação da taxa de homicídio no país foi nula, tendo voltado a aumentar no Nordeste (6,1%) e no Sul (1,2%) e diminuído nas demais regiões, com destaque para a forte redução da letalidade no Centro-Oeste (-14,1%), que manteve o ritmo de queda que ocorria desde 2016”.
A pesquisa cita a política armamentista do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro como uma das possíveis explicações para estagnação dos índices a partir de 2020.
“Uma possível explicação para essa estagnação no processo de redução da violência letal no Brasil a partir de 2020 diz respeito à legislação armamentista do governo Bolsonaro, que pode ter influenciado no sentido de aumentar os homicídios, anulando a maré a favor da redução de mortes”, diz o documento. “De fato, um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base em metodologia econométrica robusta, mostrou evidências que, se não houvesse tal legislação, a redução dos homicídios teria sido ainda maior do que a observada entre 2019 e 2021, sendo que pelo menos 6.379 vidas teriam sido poupadas. Os autores estimaram que o aumento de 1,0% na difusão de armas de fogo gera aumento nas taxas de homicídios e de latrocínios de 1,2%”.
O estudo conclui:
“O fato é que – a menos da redução de homicídios em 2019 que ocorreu como parte de uma tendência que vinha dos anos anteriores – ao contrário do propalado, não houve qualquer sinal de melhoria na conjuntura da segurança pública no Brasil no período Bolsonaro. A tendência de queda das Mortes Violentas Intencionais se exauriu, no rastro de uma legislação armamentista negacionista. Não houve qualquer avanço institucional para a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). E, ainda, influenciado por incentivos simbólicos e pelos discursos e ações de muitas autoridades, velhos desafios voltaram à tona, como a questão da letalidade policial, como nos mostra o exemplo da Operação Verão na Baixada Santista no presente ano, que deixou 77 pessoas mortas pela Polícia Militar e reverteu a tendência de queda dessas mortes no estado de São Paulo”.
O Globo
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