Apostas esportivas movimentam bilhões de reais no Brasil
Na beira do gramado, durante as transmissões, no conteúdo do seu influencer favorito. As apostas esportivas conquistaram o Brasil, com os investimentos em publicidade no setor sendo a face mais visível da atividade — que movimenta somas vultosas no país.
A estimativa mais recente do banco Itaú avalia em R$ 112,5 bilhões o montante relacionado a apostas em movimentações financeiras com o exterior nos últimos 12 meses até junho de 2024, onde estão sediadas as principais empresas. Deste total, R$ 44,3 bilhões teriam sido prêmios pagos aos jogadores, enquanto a soma do valor apostados seria de R$ 68,2 milhões.
Esta quantia é o que impulsiona os esforços do governo para regularizar as apostas esportivas. Mais de 100 pedidos de licença foram enviados no primeiro prazo dado pelo Ministério da Fazenda para as empresas interessadas em atuar no país de forma legal a partir de 2025.
Com isso, a arrecadação esperada ainda este ano com a outorga deve superar os R$ 3 bilhões de reais. Quando o mercado estiver em pleno funcionamento, a expectativa é que os cofres do governo recebam entre R$ 2 bilhões e R$ 10 bilhões.
Chegada das apostas esportivas no Brasil
O caminho até chegarmos a este ponto foi tortuoso. Casas de apostas esportivas começaram a aceitar usuários brasileiros a partir da segunda metade dos anos 2000, mesmo sem operação no país. Aos poucos, sites com versões em português e atendimento localizado começaram a surgir, indicando o tamanho do público já presente e o potencial que as empresas estrangeiras enxergavam no país.
A atividade continuou sem nenhum respaldo legal até dezembro de 2018, quando o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756/2018, que liberou as apostas de quota fixa — aquelas em que o apostador já sabe, quando a aposta é realizada, o retorno exato caso ela seja vencedora.
A lei previa um prazo de dois anos, prorrogáveis por mais dois, para que a atividade fosse regulamentada. No entanto, o governo Jair Bolsonaro não demonstrou interesse em fazê-lo, com lobby contrário da bancada evangélica.
O que se viu no período, especialmente durante a pandemia, foi uma expansão desenfreada das apostas esportivas. A publicidade dos sites de apostas, antes limitada à internet, chegou a todos os locais possíveis. Novas empresas brasileiras começaram a surgir a cada semana. Na falta de uma licença nacional, Curaçao foi o principal destino de quem buscou amparo legal.
Preferências do público brasileiro
É neste estágio que as apostas esportivas chegaram a 2024, com público cativo e preferências bem estabelecidas. Isto pode ser observado em números divulgados no início de setembro pela KTO, uma das empresas fundadoras do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR).
Nos dados, referentes ao primeiro semestre deste ano, o futebol domina amplamente: é responsável por 89% do número de entradas e 80% do valor total de apostas. Basquete (4%) e vôlei (3%) foram outros esportes que se destacaram em quantidade de palpites — o primeiro, dobrando sua participação para 8% quando a métrica é o montante investido no período.
Outro ponto bem claro foi a prevalência das competições envolvendo times nacionais. O Brasileirão foi o torneio com maior número de usuários ativos, 279 mil. Muito à frente da Copa Libertadores (199 mil) e da primeira liga europeia na lista, a Premier League (194 mil). Apesar de todos os craques, inclusive brasileiros como Vinícius Jr, Rodrygo e Raphinha, o Campeonato Espanhol teve o mesmo nível de atividade da nossa Série B: 180 mil usuários fizeram ao menos uma aposta em La Liga, contra 179 mil na segunda divisão brasileira.
O tipo de aposta preferido também é bem claro. O palpite 1×2, para o vencedor da partida (ou empate), foi a escolha de 437 mil usuários. Muito acima do segundo lugar, o Total de gols (198 mil usuários) e dos outros palpites no top 5: Chance dupla (143 mil), BetBuilder (130,8 mil) e Ambas equipes marcam (130 mil).
Uma curiosidade entre as informações da KTO é a popularidade do eFutebol. Apesar de somar apenas 1% das entradas realizadas, a modalidade representou 4% do total apostado. Uma das razões é o público mais ativo entre os esportes analisados. Em média um único usuário faz 4,48 apostas neste tipo de jogo, acima das 3 apostas por usuário verificadas no futebol.
Regulamentação das apostas esportivas
Ao assumir a presidência, em janeiro de 2023, os integrantes do atual governo Lula encontraram um mercado ansioso pela segurança jurídica que a regulamentação das apostas esportivas traria para os negócios.
“Toda a cadeia se beneficia da formalização do mercado. E temos também o benefício para o brasileiro, de estar sendo basicamente servido por operadores que seguem uma série de regras, previamente estabelecidas e acordadas, entre poder público e poder privado”, analisou o presidente do IBJR, André Gelfi, em conversa com a Agência Brasil.
As negociações com o Congresso Nacional avançaram durante o ano, até a aprovação da Lei 14.790/2023, sancionada em janeiro de 2024. Entre os principais pontos da lei, destacam-se:
- Proibição de pontos físicos para apostas;
- Taxação de 12% sobre o faturamento bruto das empresas;
- Casas de apostas autorizadas a operar deverão usar o domínio .bet.br;
- Para funcionarem no Brasil, as empresas devem ter ao menos um sócio brasileiro, que detenha no mínimo 20% do capital social;
- Valor de outorga da licença de operação fixado em R$ 30 milhões;
- Apostas poderão ser realizadas apenas por maiores de 18 anos.
Além dos pontos dispostos no projeto, coube ao Ministério da Fazenda editar as portarias que cuidam dos detalhes operacionais do setor, incluindo requisitos técnicos, penalidades por descumprir as regras e medidas para combater a lavagem de dinheiro.
Impacto das apostas esportivas sem fiscalização
Mesmo com a promessa do mercado regulado a partir de 2025, especialistas ainda se preocupam com o impacto que os anos sem supervisão já causaram. Isto porque a falta de fiscalização permitiu que comportamentos como a publicidade enganosa e até mesmo golpes usando elementos das apostas esportivas tenham se tornado comuns no país.
Um dos maiores receios é que a imagem das apostas como um meio de ganhar dinheiro, ao invés de ser apenas entretenimento, cause o superendividamento — especialmente entre a população de menor renda. Estudos recentes apontam que o gasto com as bets avançam no orçamento das famílias.
Governo e Banco Central estão de olho no assunto. Em depoimento à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas do Senado, o responsável pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, revelou que a pasta irá realizar uma campanha de conscientização sobre os jogos.
“É uma demanda direta do ministro [Fernando Haddad]. Estamos trabalhando nos primeiros passos dessa campanha para que a população entenda que apostar é um mero entretenimento e que potencialmente as pessoas vão perder dinheiro”, afirmou Dudena, segundo a Agência Senado.
Além disso, o governo fechou parceria com Google e Meta para identificar, bloquear e eliminar os operadores não autorizados a partir de 1º de janeiro. O objetivo é criar uma rede de proteção mais robusta e combater o mercado ilegal. Segundo estimativas recentes, as empresas que mostraram interesse em atuar no país podem cobrir apenas 9% do setor no país atualmente.
Ao mesmo tempo, a Justiça tem atuado para desmantelar grupos suspeitos de utilizar as apostas esportivas para outros fins, como a lavagem de dinheiro. Operações recentes das Polícias Civis de Alagoas e Pernambuco atingiram influenciadores e executivos ligados a empresas do setor.
(Imagem: Freepik.com)
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