Gastos com saúde mental podem desorganizar finanças de famílias
Manter os gastos controlados e a saúde mental em dia tem sido uma realidade difícil de ser encarada para parte da população brasileira. Tendo uma alta demanda pelos serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), muitos precisam recorrer à assistência mental de maneira privada, por meio de consultas semanais ou quinzenais. Neste contexto, a desorganização financeira por conta de gastos em saúde mental já atinge 3 em 10 famílias endividadas do Nordeste, segundo pesquisa do Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box. Além disso, o levantamento apontou ainda que 50% dos entrevistados do Nordeste já passaram por problemas de saúde mental e dificuldades financeiras.
A pesquisa Serasa ouviu 1.766 consumidores de todo o país. Ainda segundo o estudo, as despesas com assistência psicológica já ocupam a sexta posição nas prioridades de gastos das famílias na região, à frente de custos com automóveis e educação.
Entre as dificuldades, há os preços das consultas, medicamentos e em alguns casos, dificuldades de acesso via planos de saúde. Diagnosticado com ansiedade e TDAH, um potiguar que trabalha com comunicação e marketing ouvido pela TN sob sigilo é um desses casos de não estar indo à terapia por falta de recursos financeiros. No caso dele, há ainda a carência do seu plano. “Estou fazendo esse sacrifício por enquanto. Às vezes sinto falta, mas tento resolver de outras maneiras. Não é o ideal, mas é o que está funcionando”, cita.
Na avaliação do professor do departamento de Economia da UFRN, William Eufrasio Nunes Pereira, mestre em Ciências Sociais e Gestão dos Recursos Humanos, outro fator que acaba contribuindo para o endividamento é o fato de que o processo de cuidado mental envolve consultas e medicamentos com preços elevados.
“O que a pesquisa parece mostrar é que uma parte dessas famílias endividadas contam com o apoio para o endividamento das questões de saúde mental. Por que isso ocorre? Consultas com psicólogos são caras, com psiquiatras são mais caras ainda e os medicamentos também têm um custo alto. Como eles atuam em conjunto, o indivíduo ao sentir algum abalo psicológico ou psiquiatrico fruto de seus processos de endividamento, ele tende a afundar mais ainda nisso. Então saúde mental e endividamento caminham lado a lado. Quando há uma estrutura psíquica capaz de enfrentar essa desorganização, ele tem mais chance de sair dos processos de endividamento”, explica.
O conselheiro e psicólogo do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte (CRP-RN), João Costa, cita que nos últimos anos, especialmente após a pandemia, a saúde mental tem ganhado reconhecimento como uma necessidade essencial. Ele cita que atualmente o cuidado com a saúde mental “é tão importante quanto qualquer outra necessidade básica”.
“No entanto, a procura por esses cuidados, sem o suporte adequado de políticas públicas e um acesso facilitado, pode criar esse desajuste no orçamento familiar. Isso porque, em muitas situações, o acompanhamento em saúde mental é visto como um custo extra, que acaba competindo com outras despesas essenciais”, acrescenta.
O psicólogo explica ainda que o desequilíbrio financeiro, por sua vez, pode alimentar um ciclo de sofrimento socioemocional. “Dificuldades econômicas podem desencadear ou agravar sofrimentos psicossociais como ansiedade, depressão e estresse, que afetam diretamente a forma de gerenciar as finanças de maneira organizada. Assim, o impacto é duplo: o custo de tratar a saúde mental pode gerar desordem financeira, que, por sua vez, intensifica o sofrimento psicossocial”, acrescentou.
Pesquisa
Em um cenário onde mais de 18 milhões de nordestinos estão inadimplentes, o estudo revela que 50% dos entrevistados do Nordeste já enfrentaram simultaneamente problemas de saúde mental e dificuldades financeiras. “Muitas vezes, as pessoas têm vergonha de pedir ajuda, pois sentem que, ao contar para alguém, estariam atestando alguma espécie de incompetência na gestão de recursos”, analisa Valéria Meirelles, psicóloga especializada em finanças.
Os dados apontam que 93% dos nordestinos entendem que investir em saúde mental pode melhorar a situação financeira a longo prazo, e 70% afirmam que gostariam de investir ainda mais nesse segmento. As dívidas e pendências financeiras também afetam o ambiente de trabalho. Segundo o estudo, 73% dos entrevistados da região Nordeste afirmam passar boa parte do tempo de trabalho pensando nas contas a pagar.
“Finanças e saúde mental caminham lado a lado”
Apesar das dificuldades enfrentadas por parte da população no acesso à saúde mental, o economista William Eufrasio cita que finanças e saúde mental podem caminhar lado a lado.
“Saúde mental e saúde financeira caminham lado a lado. Uma das melhores coisas que o ser humano faz é investir na sua saúde mental, porque com ela se desenvolve um pensamento livre de pressões e consegue-se tomar decisões mais racionais. Investir na saúde mental é também investir na melhoria da sua situação financeira num médio a longo prazo”, acrescenta.
“Uma mente saudável favorece a habilidade de tomar decisões mais assertivas e eficazes, o que impacta diretamente a gestão financeira. Por exemplo, uma pessoa em boas condições socioemocionais tem mais condições para planejar seu orçamento, evitar compras impulsivas, lidar com situações de estresse financeiro e até mesmo buscar oportunidades de crescimento profissional”, finaliza o psicólogo do CRP-RN, João Costa.
Tribuna do Norte