C O N F I S S Õ E S

Hoje quebrei o espelho e abri a janela. E vi muitas árvores de outono. E me vi numa destas árvores. Eu era uma delas. Talvez a sofreguidão excessiva, o egoísmo em alto grau, o desejo de ser Deus, me tenha levado a não ser mais do que isto. E havia tantas folhas no chão, folhas que o vento suave e morno da tarde que caía não se importava sequer de levar.

Ah, sonhos de grandeza, desejos incontidos, erros, erros, erros. Erros sempre cometidos com a melhor das intenções. Assaltou-me uma dúvida. Comporia um dramático bolero ou um trágico tango? Melhor uma dolente valsa. Terminei não fazendo nada.

Bem ao fundo, depois das árvores desfolhadas, um rio. Um rio que só caminha, como todos os rios, para frente. Um rio que nem observa a relva que se curva, num lindo milagre da natureza, para banhar-se. Não, não percebe nada. Apenas o caminhar, caminhar, caminhar, como se não houvesse um oceano, um mar a esperá-lo tranquilamente. 

Ah, este nosso hábito de caminhar, caminhar, costume tão arraigado que nos esquecemos das paradas. E esquecemos que só parando é que se consegue chegar a algum lugar, já que quem caminha sempre em linha reta não chega a lugar nenhum. Quando muito, consegue voltar ao local da partida.

Não tive mais coragem de fechar a janela. No horizonte, o sol ensaiava o seu desmaio vespertino, avermelhando e dourando as nuvens como se as banhasse de ouro. E assim, anunciava a noite que breve viria com sua negritude amedrontadora. Mas, junto com o escuro vieram as estrelas, a formar uma colcha de retalhos. E entre elas uma que me falava no bem do amor, no bem que faz mais bem ao coração.

Voltei à vista e vi os cacos do espelho. E chorei, chorei todo o tempo perdido no olhar permanente para mim. E, principalmente, na adoração de um deus criado por mim mesmo, que só agora sei tratar-se de um pobre ídolo de barro.

Mais perto, pássaros cantavam. Interessante, sempre pensei que os pássaros só cantassem pela manhã. Mas não. Eles cantam a todo o momento. Têm o coração leve. São felizes.

Não tive coragem de fechar a janela. Janela que durante tantos e tantos anos mantive fechada e que agora deverá, para todo o sempre, permanecer escancarada. Totalmente escancarada.

Ah coração, porque demorei tanto a entender-te?

Por Inácio Augusto de Almeida, jornalista/escritor e membro da Academia Ipuiense de Letras

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