Cemitérios voltam a ter cerimônias no Dia de Finados

Foto: Magnus Nascimento

Uma manhã de quarta-feira cinzenta e abafada parece ganhar contornos caóticos nas ruas de um Alecrim abarrotado de gente e carros, que disputam espaço a todo instante num vaivém sem fim. A intensa movimentação nas vias, no entanto, não se repetia no cemitério do bairro, um dos principais, de Natal – mesmo naquele dia 26 quente e sem cor, a menos de uma semana para o Dia de Finados.

Em 2021, os cemitérios da cidade poderão receber novamente cerimônias religiosas. O período costuma ser de grande fluxo nos cemitérios da capital, com cerca de 8 mil pessoas visitando túmulos, já que familiares têm por hábito limpar e restaurar os jazigos dos entes queridos como forma de preparação para o dia dia 2 de novembro. O cenário deste ano desanimou aqueles que fazem do zelo pela memória de quem já partiu uma fonte de sobrevivência.

Aos 75 anos, o aposentado Pedro Luiz da Silva trabalhava com disposição em meio ao calor sufocante daquela quarta-feira feira nublada. “Faço limpeza nesse túmulo há 30 anos. Agora estou aposentado pela Prefeitura, mas o meu salário é uma vergonha. Faço essa atividade porque é o jeito. Tudo já foi muito diferente. Eu construí duas casas com o dinheiro do meu trabalho aqui, sabia?”, relata.

Atualmente, segundo ele, a situação é bem diferente. “O momento não está bom. E não é só por causa da pandemia, não. Desde 2010 que as coisas mudaram. Hoje, tenho cinco fregueses, que mantenho desde 2015 e só. Desde o dia 12 [deste mês] que eu estou aqui tentando pegar novos túmulos para cuidar, mas não consegui nenhum.”, desabafa, enquanto finaliza a pintura de um jazigo.

“Por esse serviço, cobrei R$ 75. É pouco. Fiz porque é o jeito. Veja: a tinta custa R$ 25. Aí, vêm os gastos com a lixa, a massa, a mão de obra… no final, o valor que eu recebo não dá para nada”, reclama. O túmulo que Pedro retocava é de um ‘freguês fixo’, como ele mesmo costuma designar. “Essa época, próximo ao Dia de Finados, deveria ser boa para a gente conseguir novos fregueses. Depois que passa essa data, eu venho de vez em quando fazer alguns reparos nos túmulos – isso quando as famílias me pedem”, descreve o aposentado.

Dois dias depois – desta vez uma sexta-feira (29) ensolarada – no cemitério Bom Pastor II, um grupo recebe quem chega para fazer manutenção nos jazigos dos parentes. “Vamos fazer um servicinho lá no túmulo?”, convida um. “Vamos dar uma olhada no túmulo, moço? Lavar, pintar…”, convida Íris Raquel Xavier, de 47 anos.

Ela cuida de túmulos no cemitério há mais de 10 anos. São quatro jazigos fixos. Neste período que antecede o Dia de Finados, Raquel, como prefere ser chamada, conta que espera aumentar o fluxo de trabalho, algo que, segundo ela, não vem acontecendo este ano.

“Ontem [na quinta-feira, dia 28], só consegui fazer a pintura de um cova. Cobro R$ 40, R$ 50 para fazer a pintura, a depender do tamanho [do jazigo]. Mas no caso de ontem, cobrei R$ 15. A mulher a quem eu atendi disse que não estava com dinheiro para pagar mais do que isso. Como foi a única coisa que apareceu, tive que pegar. Hoje [sexta-feira, dia 29] cheguei aqui às 7h. Já são 9h e não atendi ninguém”, relata Raquel.

“O movimento caiu muito no ano passado. Agora, está a mesma coisa”, disse em seguida. Segundo Raquel, o cemitério Bom Pastor II ficou fechado durante cinco meses este ano, por causa da pandemia. Nesse período, ele decidiu fazer faxina, para não ficar sem renda.

Dentro do cemitério, a irmã de Raquel dá os primeiros retoques em um túmulo enquanto conversa com a reportagem. Rita de Cássia Xavier, de 45 anos, se mostra cuidadosa ao executar a pintura no jazigo.

“Cuido de mais de 20 túmulos fixos aqui e vou pegando os que vão aparecendo. Esse é um deles. Venho todos os dias para cá, fazer alguns reparos”, comenta. Rita de Cássia afirmou, no entanto, que não conseguiu pegar nenhum novo trabalho ao longo desta semana que antecedeu o Dia de Finados.

O zelo pelos túmulos é um trabalho há muito difundido pela família de Rita. “Meus pais, que já são falecidos, realizavam esse trabalho. Eu e minha irmã seguimos, então, por aqui. Às vezes o marido dela [da irmã], vem ajudar também”, revela.

Para Rita, aliás, o cenário deste ano é ainda mais crítico do que em 2020. “O movimento está mais fraco”, frisa a mulher. O consenso entre quem atua no cemitério é de que as famílias estão com menos dinheiro e a maioria prefere fazer pessoalmente a limpeza dos jazigos.

Horários

De acordo com a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos de Natal (Semsur), cerca de 8 mil pessoas costumavam visitar os cemitérios da capital (Bom Pastor I, Bom Pastor II, Redinha, Igapó, Pajuçara, Parque de Nova Descoberta, Ponta Negra e Alecrim) antes da pandemia. Neste ano, todos eles abrirão para visitação já em 1º de novembro. “Os horários de abertura nos dias 1 e 2 serão das 7h às 17h. A Semsur está concluindo os serviços de limpeza, manutenção e pintura em todos os cemitérios de Natal”, informou a pasta.

No dia 2, a programação de missas será variada nos oito cemitérios da cidade (ver quadro), onde existem existem cerca de 50 mil túmulos, segundo a Semsur.

Por causa da pandemia, a Sesap/RN divulgou uma Nota Informativa com orientações sobre as visitas aos cemitérios no próximo dia 2. De acordo com a Nota, pessoas consideradas do grupo de risco devem evitar a ida a esses locais, bem como aqueles que apresentam sintomas como coriza, tosse, dor de garganta, cansaço, diarreia e outros sinais que possam indicar uma suposta infecção por covid-19.

A Nota também recomenda o distanciamento social, de 1,5m, o uso de álcool em gel, máscaras. Os cemitérios deverão afixar cartazes na entrada, orientando os visitantes para que não permaneçam no local por período superior a 30 minutos. O consumo de alimentos e bebidas nos cemitérios está proibido.

Morada da Paz não terá cerimônias

No cemitério e crematório Morada da Paz, empresa do Grupo Morada, as portas estarão abertas à visitação durante todo este fim de semana que
antecede o Dia de Finados. Porém, informou o Grupo, não serão realizadas programações religiosas presenciais ou virtuais na data (dia 2), ainda em decorrência da pandemia de covid-19. As unidades do Morada da Paz ficam localizadas em Emaús e São José de Mipibu. O cemitério Morada da Paz Essencial fica na zona Norte de Natal.

“O Morada da Paz sugere que familiares e amigos de falecidos possam antecipar a visita para o fim de semana, para que possam prestar homenagens nos jazigos com mais tranquilidade, caso desejem, como também no sentido de evitar aglomerações”, esclareceu o Grupo.

Para as visitas, as pessoas deverão estar de máscaras e passarão por aferição de temperatura na entrada. Colaboradores vão orientar o público no interior dos cemitérios a seguir todas as orientações de proteção definidas pelas autoridades de saúde.

“Muitos podem usar essa data para estar mais perto do local em que seu ente querido está sepultado. É um dia a ser valorizado, ainda mais nesse contexto atual, levando em consideração que muitas pessoas irão conseguir realizar sua primeira homenagem neste momento, ainda por causa das limitações a velórios advindas com a pandemia”, explica a psicóloga especialista em luto do Morada da Paz, Mariana Simonetti.

Mensagens

Além das homenagens e orações prestadas durante as visitas presenciais, o Morada reforça que existe a possibilidade de enviar preces, mensagens e flores aos entes queridos já falecidos na plataforma Morada da Memória (www.moradadamemoria.com.br). Entre as funções disponíveis, é possível acender uma vela virtual, deixar preces e solicitar o envio de flores ao jazigo, além de postagens das lembranças. O espaço on-line é ativado automaticamente durante cada atendimento funerário.

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