Engenheiro com doutorado em “Meteorologia” pela Massachusetts Institute of Technology, afirma que “indústria da seca” ainda existe
Um dos mais conceituados Meteorologistas do Brasil, Dr Carlos Afonso Nobre, conversou com o gerente da Emparn de Caicó, José Augusto Filho, e assunto não poderia ser outro, a seca no Nordeste.
Segue íntegra da conversa entre Dr. Carlos Afonso e José Augusto…
José Augusto. Estamos vivendo no Ne, o 4º ano consecutivo de seca. Existem os mais variados prognósticos para os anos seguintes. Há quem fale em 9 anos consecutivos, falam em regularidade a partir de 2019, dentre outros. Qual a sua opinião a respeito desse futuro próximo?
Resposta: É muito difícil prever o clima da região semiárida do Nordeste com anos de antecedência. Há alguma tendência de variabilidade na escala de uma a duas décadas em fatores oceânicos observados no Atlântico Tropical que podem condicionar o mecanismo principal de chuvas no semiárido setentrional, isto é, padrões de temperaturas da superfície do mar que induzem a localização mais ao norte (seca no semiárido do NE) ou mais ao sul (chuvas normais ou abundantes) da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Entretanto, a previsibilidade é modesta para permitir previsões da tendência climática com anos de antecedência. De fato, 4 anos consecutivos de chuvas abaixo da média–e com a possibilidade de um quinto ano (2016) de seca devido ao episódio El Niño em curso–é algo bastante raro e poucas vezes visto no registro climático.
José Augusto – A partir de que mês do ano os senhores começam a considerar os fenômenos que interferem nas chuvas da região Ne?. O que eles indicam hoje?
Resposta: O Nordeste setentrional é uma das regiões continentais do planeta com a maior previsibilidade climática na escala temporal sazonal (até 3-4 meses). Assim, a partir de dezembro-janeiro, torna-se possível em muitos anos perceber as características da atmosfera global e das temperaturas da superfície do oceano nos oceanos tropicais Atlântico e Pacífico indicativas do caráter da estação chuvosa principal de fevereiro a maior na maior parte do semiárido. Por exemplo, quanto há El Niño (La Niña) no Pacífico Tropical e as águas do Atlântico Tropical Norte estão mais quentes (mais frias) que a média, deve-se esperar chuvas abaixo (acima) da média. As taxas de acerto de esquemas de previsão sazonal baseados nestes fatores alcançam entre 70% e 80%, tornando as previsões da tendência da estação chuvosa úteis para políticas públicas de mitigação de extremos climáticos, principalmente quando da ocorrência de secas severas.
José Augusto – Em se tratando de média pluviométrica, a região Ne está localizada em um ponto geográfico pouco favorável. Ações locais e mudança da conduta preservacionista poderiam mudar o clima local, uma vez que são os fatores externos que determinam essa condição?
Resposta: Ainda que os controles principais das chuvas do Nordeste setentrional sejam de grande escala envolvendo circulações atmosféricas e oceânicas globais, a cobertura de vegetação torna-se importante em mitigar ou, ao contrário, acentuar um dado extremo climático. Por exemplo, uma seca do ponto de vista meteorológico–isto é, chuvas significativamente abaixo da média durante a estação chuvosa–pode se tornar em uma seca hidrológica ou agronômica ainda mais contundente se a vegetação original for removida e o solo estiver saturado. A vegetação preservada ajuda a conservar água no solo, o que ajuda durante as secas e evita maiores inundações em períodos de chuvas excessivas.
José Augusto – A indústria da seca no Ne se alimenta da condição de necessidade do povo. Quais as iniciativas que o Sr apontaria, ou tem visto, que são importantes para a solução ou convívio com essa nossa situação climática?
Resposta: A chamada “indústria da seca” ainda existe, mas é uma fração do que foi no passado durante o Século XX no Nordeste. Ainda que os níveis educacionais tenham lenta evolução entre as populações rurais do Nordeste, quando comparamos o quadro de hoje com aquele de muitas décadas atrás, é patente que as populações rurais já não aceitam pacificamente serem manipuladas pelos “coronéis”. Ao mesmo tempo, uma série de politicas públicas de mitigação–que nesta sequência de anos de seca já demandaram mais de 20 bilhões de fundos federais e várias ações–auxilia no enraizamento das populações em suas regiões originais, diminuindo o drama histórico dos “retirantes”, ainda que haja uma migração inter-regional importante em anos de seca. O semiárido do Nordeste é o mais populoso semiárido do mundo e, comparativamente, um dos mais chuvosos, com chuvas anuais médias de cerca de 800 mm, bastante adequadas para produção agrícola. Porém, em anos de grandes secas, pode chover até 50% abaixo da média, o que causa significativos colapsos de safras de subsistência, como feijão, milho e mandioca, insuficiente para abastecer mais de 10 milhões de habitantes rurais e gerar excedentes que gerem uma economia regional. As mudanças climáticas trazem preocupações adicionais, pois haverá uma tendência para secas ainda mais extremas no Nordeste. Um fator importante para desenvolver o Nordeste semiárido é educação de qualidade, inclusive a educação profissionalizante apropriada à região, para capacitar a população para outras atividades econômicas e melhores empregos do que a agricultura de subsistência. Por exemplo, o potencial do Nordeste para gerar energias renováveis–especialmente a energia eólica e a solar–é inigualável em outras partes do Brasil. O pleno aproveitamento deste potencial para o próprio Nordeste e para exportação para o resto do Brasil pelas linhas de transmissão pode gerar literalmente mais de um milhão de empregos. No tocante à agricultura, há que se buscar um sistema agroindustrial adaptado às condições semiáridas. Por exemplo, como sobejamente conhecido, caprinos são muito mais adaptados ao clima e condições do Nordeste em comparação com bovinos. Outra possibilidade é se estudar a biodiversidade da caatinga–esta naturalmente adaptada ás condições semiáridas–e descobrir novos usos econômicos para espécies endêmicas. Por último, em média, a chuva na região é adequada. Então, como o bem executado projeto das cisternas demonstra, economia de água é possível a aumenta em muito a resiliência das atividades rurais e urbanas no seio do semiárido.
Estamos à disposição.
saiba mais aqui http://www.emparncaico.com/2015/12/meteorologista-dr-carlos-nobre-concede.html
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