Ex-ministro diz à Polícia Federal que foi pressionado por Temer. Presidente nega
O edifício que o ministro Geddel Vieira Lima gostaria de ver erguido na orla central de Salvador não saiu do chão, mas projetou sua sombra nesta quinta-feira sobre o presidente Michel Temer. O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que deixou o Governo denunciando a pressão de Vieira Lima, chefe da Secretaria de Governo, para liberar a obra na capital baiana, disse em depoimento à Polícia Federal que também foi pressionado por Temer. A notícia, antecipada pelo jornal Folha de S.Paulo, inflamou ainda mais o Congresso Nacional, onde a oposição já se anima a falar em impeachment.
No depoimento do ex-ministro revelado pela Folha, Calero diz que se sentiu “decepcionado” por ter sido “enquadrado” pelo presidente. Segundo ele, Temer lhe disse, em reunião no Palácio do Planalto, que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) havia criado “dificuldades operacionais em seu gabinete”, porque Vieira Lima “encontrava-se bastante irritado”. O ministro comprou um apartamento no empreendimento imobiliário cuja construção foi embargada pelo Iphan. No depoimento, Calero diz ainda que Temer lhe pediu para “construir uma saída” para que o processo fosse encaminhado à Advocacia-Geral da União.
Após a divulgação do conteúdo do depoimento, o Palácio do Planalto divulgou nota para dizer que Temer “sempre endossou caminhos técnicos para solução de licenças em obras ou ações de governo”. Na versão do Planalto, “o presidente buscou arbitrar conflitos entre os ministros e órgãos da Cultura sugerindo a avaliação jurídica da Advocacia Geral da União, que tem competência legal para solucionar eventuais dúvidas entre órgãos da administração pública”.
Temer disse ainda que jamais induziu algum de seus ministros “a tomar decisão que ferisse normas internas ou suas convicções”. “O ex-ministro sempre teve comportamento irreparável enquanto esteve no cargo. Portanto, estranha sua afirmação, agora, de que o presidente o teria enquadrado ou pedido solução que não fosse técnica”, informa a nota. A mensagem termina dizendo que “surpreendem o presidente da República boatos de que o ex-ministro teria solicitado uma segunda audiência, na quinta-feira (17), somente com o intuito de gravar clandestinamente conversa com o presidente da República para posterior divulgação”.
A batalha de versões foi o bastante para levar os opositores de Temer no Congresso — já borbulhante por votações sobre temas como medidas anticorrupção, abuso de poder e limite de gastos — a cogitar um pedido de impeachment de Temer. Os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Gleisi Hoffman (PT-PR), Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que há algumas semanas tentavam impedir o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, agora enxergam crime de responsabilidade na conduta do presidente que assumiu o Planalto após o impeachment da antecessora. E se Calero gravou aquilo que denuncia à PF, como informa o colunista Kennedy Alencar, os opositores de Temer terão munição de que precisam para desgastar ainda mais um Governo que não chegou a gozar, em seus poucos meses, de uma semana inteira de paz.
Na posse de Roberto Freire (PPS) no comando do Ministério da Cultura, no lugar de Calero, na quarta-feira, Temer disse que “se não foi bem até agora, eu digo a vocês, a partir do Roberto Freire o Governo ganhará céu azul, velocidade de cruzeiro e vai salvar o Brasil”. A fachada de um prédio que não existe ameaça seguir bloqueando esse horizonte.
EL PAÍS
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