Haitianos deixam Brasil em meio à crise econômica e fake news sobre fronteira aberta nos EUA
Foto: João Chaves/Defensor Público Federal/Via BBC
As águas do Rio Grande, na fronteira entre Estados Unidos e México, alcançavam temperaturas próximas a zero graus no início de janeiro de 2021. Aos 33 anos, a haitiana Manite “Carol” Dorlean sempre detestou o frio. Mas, grávida de oito meses de gêmeos, via nos poucos metros de largura daquele rio a mais curta distância que já havia estado de realizar um sonho.
“Ela cruzou porque sempre teve em mente que os EUA são a terra de onde jorra leite e mel. Todo mundo quer chegar ali”, contou à BBC News Brasil Gordia “Hector” Pierre, ex-marido de Carol, que vive na República Dominicana, em uma alusão à expressão bíblica sobre a terra prometida dos judeus.
Depois de passar dois anos no Brasil perseguindo, sem sucesso, uma vida melhor, Carol entrou no leito do Rio Grande acreditando que nos EUA encontraria o que buscava. Mas ela jamais chegou à margem americana com vida. Seu corpo foi resgatado pela guarda fronteiriça dos EUA no dia 8 de janeiro. Ela se tornou a 18ª pessoa morta por afogamento e hipotermia ali desde outubro de 2020, de acordo com as autoridades americanas.
A trajetória de Carol, da partida do Brasil até sua chegada aos EUA, é exemplar de um movimento que cada vez mais haitianos têm tentado fazer. Onze anos depois do terremoto que devastou o Haiti e acelerou sua vinda ao Brasil (de acordo com a Polícia Federal, estimados 130 mil haitianos teriam entrado no país entre 2010 e 2018), o grupo faz o movimento contrário.
Movidos por uma insatisfação com a crise econômica brasileira e mobilizados por um boato de que, sob a gestão de Biden, as fronteiras dos EUA estariam abertas para eles — especialmente para mulheres grávidas ou com bebês de colo — os haitianos se lançam em uma longa e perigosa jornada de partida do Brasil.
De acordo com os dados entregues à BBC News Brasil pela Alfândega e Proteção de Fronteira dos EUA, o número de detenções de haitianos que cruzaram sem visto a divisa com o México em janeiro de 2021 — em plena pandemia de covid-19 — mais que triplicou em relação ao mesmo mês de 2020.
Enquanto nos primeiros 31 dias do ano passado foram localizados 470 haitianos tentando entrar nos EUA via México sem visto, no mesmo período deste ano foram 1,7 mil. E embora não se saiba o país em que viviam antes de sua chegada em território americano, tanto haitianos quanto especialistas em migração consultados pela reportagem garantem que parte desse contingente saiu do Brasil.
“Desde que tivemos a mudança do governo Trump pelo governo Biden há uma expectativa dos imigrantes quanto à reforma da lei migratória dos Estados Unidos. Isso tem movimentado as caravanas de imigrantes e é possível que esses migrantes que residem no Brasil estejam de alguma forma mobilizados também por essas expectativas de deixar o território brasileiro e quem sabe acessar a América Central para depois conseguir chegar aos Estados Unidos”, explica a socióloga Letícia Mamed, professora da Universidade Federal do Acre especialista em migrações.
Na última segunda-feira, 8, um grupo de cem migrantes, a maior parte deles haitiana, decidiu deixar a ponte onde estava acampado há quase um mês, na fronteira entre Peru e Brasil, em Assis Brasil, no Acre. Entre o grupo, havia de 15 a 20 crianças e cinco mulheres grávidas, uma delas já no oitavo mês de gestação. No município de apenas 7,5 mil habitantes, ao menos mais três centenas de haitianos recém-chegados tentavam acolhimento em abrigos precários e improvisados. Veja mais em BBC NEWS BRASIL
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