Lagoa do Bonfim entra em estado de alerta, diz Igarn
Foto: Adriano Abreu
A Lagoa do Bonfim, responsável pelo abastecimento de cerca de 300 mil pessoas em 30 municípios potiguares, encerrou o mês de outubro passado com um volume de 39,924 milhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 47,38% da capacidade máxima do manancial (que é de 84,268 milhões de metros cúbicos). Em janeiro deste ano, o volume da lagoa era de 42,698 milhões de metros cúbicos (50,67% da capacidade máxima). O Instituto de Gestão das Águas do RN (Igarn) classifica o cenário atual como “situação de alerta”.
De acordo com o órgão, a classificação indica que a capacidade da lagoa atende às necessidades da população, “mas sem a possibilidade de aumento de uso” do manancial e “talvez com alguma restrição”. Segundo o Igarn, a diminuição do volume hídrico entre os meses de janeiro e outubro deste ano ocorre por dois fatores: o baixo índice pluviométrico, que inviabilizou as condições de boas recargas para o manancial, e a depredação de poços instalados na região para reduzir a captação de água na lagoa.
“A Caern realizou a manutenção e reativação de nove poços, localizados na região de Boa Cica (próximo à Lagoa do Bonfim), somente durante o mês de outubro. Outros três estão passando por reparos, em um total de 12 poços que irão ajudar a diminuir a retirada de água da lagoa. A expectativa é de que até o próximo mês de dezembro, os atuais 700 m³/h de captação, sejam reduzidos para 350 m³/h”, afirmou o Igarn.
Segundo a Companhia de Águas e Esgotos do RN (Caern), todos os 30 municípios abastecidos pela lagoa estão em sistema de rodízio há alguns anos.
“Todas as cidades já são atendidas em regime de rodízio, preservando assim a água disponível. Estas cidades, dentro do cenário atual, não estão na iminência de colapso, ou seja, não há perspectiva de suspensão do abastecimento”, explicou a empresa.
O Igarn descartou a necessidade de novos racionamentos. “O que não é possível é realizar novas expansões na adutora ou nos usos da população”, explicou o Instituto, que esclareceu: “Em médio prazo serão concluídos os testes e adequações da adutora de Boa Cica. Já em longo prazo, existe ainda em desenvolvimento o projeto da adutora de Nova Cruz, que possibilitará a redução do número de municípios atendidos pela Monsenhor Expedito”. As duas ações devem reduzir a captação de água na Lagoa do Bonfim, segundo o Igarn.
A Caern também citou a finalização de testes na adutora de Boa Cica e o projeto da adutora de Nova Cruz como medidas que devem reduzir os níveis de captação na Lagoa do Bonfim. Além disso, a Companhia afirma que realiza fiscalizações constantes, em um trabalho conjunto com o Igarn, o Idema e a CIPAM, para evitar o uso irregular dos recursos hídricos do manancial.
“Todas as ações visam a preservação da Lagoa, porém, atualmente, estamos trabalhando para substituir gradativamente o manancial pela bateria de poços do Boa Cica Os três poços que ainda não foram recuperados, estão passando por um processo de manutenção mais complexo. E a Caern tem seguido a Lei de Recursos Hídricos, que preconiza o uso prioritário dos recursos para o consumo humano e a dessedentação de animais. A retirada para outros fins tem sido fiscalizada”, informou.
O Igarn esclareceu que participa das fiscalizações para impedir o uso irregular das águas do manancial. “São fiscalizações no entorno para evitar tanto captações irregulares, quanto captações acima dos limites outorgados”, sublinha o órgão.
Em 2020, segundo a Caern, foram abertas 15 ordens de fiscalização para combater o uso irregular de recursos hídricos do manancial. Desse total, foram registradas 11 irregularidades no trecho principal da adutora Monsenhor Expedito, que abastece os 30 municípios potiguares com as águas da Lagoa do Bonfim.
Professor vê diminuição do volume
Para o especialista em gestão de recursos hídricos, João Abner, a baixa incidência de chuvas contribuiu para a queda no volume de água da Lagoa do Bonfim. O problema, no entanto, não é recente, segundo ele. “Nos últimos anos, a lagoa vem sempre com excesso de decaimento de volume”, explicou Abner, que é professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Em 2000, o especialista participou de uma perícia para avaliar a situação do manancial. Segundo ele, o estudo resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que estabeleceu condições para que as obras da adutora Monsenhor Expedito não fossem embargadas à época.
Abner afirma que as avaliações propuseram a instalação de poços na região do manancial e o limite para a vazão de captação máxima (de 190 litros por segundo, na ocasião). Outra condição diz respeito ao volume mínimo operacional permitido para a retirada de água da lagoa: uma cota de 39%.
De acordo com a Caern, o percentual está relacionado a uma orientação. “Não existe TAC sobre este assunto. Há uma recomendação. A Companhia tem atuado com um uso prioritário que é o abastecimento humano e está adotando medidas para preservação do manancial”, esclareceu a empresa.
Como medida para garantir a manutenção da capacidade hídrica da Lagoa do Bonfim, João Abner declarou que um regime de racionamento é a saída.
“Quando se tem uma situação crítica como a atual, não era para o sistema operar com vazão máxima. Tem que ir para o racionamento. À medida que a situação vai se agravando, a captação deve ir diminuindo”, avalia.
Questionado se a perfuração de novos poços no entorno da lagoa ajudaria a manter a capacidade hídrica do manancial, o especialista afirma: “Todos os poços que deveriam ter sido instalados, já foram. O problema é que alguns não estão operando por problemas técnicos. E também há problemas com a adutora que vai dos poços até à Monsenhor Expedito”, destaca.
Além disso, Abner critica a falta de políticas de conscientização por parte do poder público para o uso adequado do recurso hídrico e questiona a falta de medidas que, na avaliação dele, deveriam ter sido adotadas há mais tempo. “Atravessamos a maior seca da história, que se encerrou em 2018. Aí, eu pergunto: por que não houve limitação na captação de água na adutora em outros anos? Falta uma política para conscientizar as pessoas sobre consumo excessivo e nada disso foi feito até hoje, pontua”.
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