MPF denuncia ex-reitor e ex-diretores da UFRN por contrato ilegal
Prejuízo total para a UFRN, gerado pelo contrato irregular, foi de R$ 21 milhões
O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) denunciou o ex-reitor da UFRN José Ivonildo do Rêgo e seis ex-dirigentes da instituição envolvidos em um contrato ilegal de licenciamento concedido à SIG Software & Consultoria em Tecnologia da Informação Ltda., no ano de 2011. A ação penal já foi recebida pela Justiça e tramita na 2ª Vara Federal, em Natal.
Pelo contrato, a empresa pertencente ao então diretor de Sistemas da universidade, Gleydson de Azevedo Ferreira Lima, virou representante única de softwares de gestão desenvolvidos na própria instituição – como Sigaa e Sipac –, o que gerou R$ 21 milhões em prejuízos à UFRN. Desse dinheiro, R$ 2,9 milhões foram diretamente para o empresário/servidor e sua esposa, Raphaela Galhardo Fernandes Lima, sócia-administradora da SIG.
Além do ex-reitor e de Gleydson e sua esposa, são réus o então superintendente de Informática, Aluízio Ferreira da Rocha Neto; o ex-coordenador do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), Aldayr Dantas de Araújo; o ex-pró-reitor de Planejamento e coordenador geral do Setor de Convênios da UFRN, João Emanuel Evangelista de Oliveira; o ex-pró-reitor de Administração da UFRN, João Batista Bezerra; e o procurador-geral da instituição, Giuseppi da Costa.
Prejuízos – O contrato com a SIG concedeu à empresa, pelo prazo de cinco anos, a exploração de diversos sistemas integrados, incluindo o Sipac (de Patrimônio, Administração e Contratos), Sigaa (de Gestão de Atividades Acadêmicas), SigRH (de Gestão de Recursos Humanos), SIGPP (de Gestão de Planejamento e Projetos), Siged (de Gestão Eletrônica de Documentos), SIGAdmin (de Administração e Comunicação) e Arq_SIG (Arquitetura de software dos sistemas SIG).
O MPF apurou que o suposto processo de dispensa de licitação, que possibilitou a contratação direta da SIG, ocorreu sob diversas irregularidades, beneficiando Gleydson de Azevedo, que ocupava um cargo comissionado de “assessor do Gabinete do Reitor”, exercendo a função de diretor de Sistemas da UFRN. Foram utilizados, no processo fraudado, documentos falsos, com o conhecimento do ex-reitor e dos demais réus. Além disso, a dispensa ocorreu fora das hipóteses permitidas na lei.
O simples fato de o empresário ocupar, na época, um cargo comissionado na universidade impediria a formalização do contrato. “Não bastasse isso, o procedimento tramitou secretamente, não tendo havido publicação da ratificação da dispensa de licitação na imprensa oficial”, reforça a ação do MPF, assinada pelo procurador da República Rodrigo Telles.
Graças às irregularidades, a empresa passou a explorar economicamente os programas, prestando serviços a diversos órgãos e entes públicos interessados na tecnologia. Enquanto isso, a UFRN deixou de obter receitas, por meio de possíveis acordos de cooperação técnica com os interessados. A quebra do sigilo bancário da SIG apontou o recebimento de R$ 21,6 milhões, dos quais parte foi revertido para a própria empresa e R$ 2,9 milhões transferidos para o casal de sócios.
Apesar de o contrato prever 6% dos ganhos para a universidade, não foi identificada nenhuma transferência para a instituição. Antes de conceder a licença à SIG, a UFRN firmava termos diretamente com os órgãos interessados e chegou a receber R$ 18 milhões nesses acordos. O MPF ressalta ainda os danos extras aos entes públicos (institutos e universidades, entre outros) que contrataram os softwares pela SIG e poderiam ter negociado valores melhores, sem essa intermediação.
Na ação penal, os réus responderão pelos crimes relacionados ao uso de documentos falsos e falsidade ideológica (artigos 304 e 299 do Código Penal) e à dispensa indevida de licitação (Artigo 89 da Lei 8.666, neste caso com exceção de Aluízio Ferreira e Aldayr Dantas).
Negligência – A Controladoria Geral da União (CGU) efetuou uma auditoria, em 2013, e apontou a falsidade dos documentos utilizados e a ilegalidade da dispensa de licitação. O órgão recomendou à UFRN anular o contrato de licenciamento e apurar a responsabilidade dos envolvidos. Porém, as sugestões foram desconsideradas pela universidade.
O processo que deu origem ao contrato, avaliou a CGU, conta com várias ilegalidades. Um dos pareceres, assinado por Aluizio Ferreira Neto, descreve que o processo de criação dos sistemas foi iniciado em 2004 e “acelerado” em 2007, quando Gleydson assumiu a Diretoria de Sistemas. O empresário é apontando como “mentor intelectual” do projeto e a “co-titularidade” a ser concedida à empresa do servidor seria “justa contrapartida a todo este esforço empreendido durante anos”.
Porém, o mesmo texto reconhece que o trabalho foi integralmente custeado pela UFRN e “todo esse sucesso não se deve só a uma pessoa. (…) houve também contribuição de muitos outros colaboradores, que ajudaram a construir os softwares. Afinal, um projeto desta complexidade não se constrói sozinho. Há envolvimento de toda uma equipe, ideias de gestores, e outros colaboradores”.
O processo de dispensa de licitação continha documentos e atos administrativos sem a devida sequência cronológica, pareceres que citam informações teoricamente ainda não existentes e alguns atos com referências à razão social e CNPJ da empresa, quando esta sequer havia sido registrada na Junta Comercial. Há também referências a outro processo, que nada tinha a ver com o contrato em questão. Para o MPF, um indício de que parte dos documentos utilizados foram “reaproveitados”.
Em um dos pareceres, o pró-reitor João Batista Bezerra chega a citar a Lei de Licitações e seus requisitos para a contratação de empresas particulares pela Administração Pública, contudo abre “uma exceção para a empresa Sig Software” e atesta sua qualificação técnica apenas com base em avaliação de “aspectos subjetivos (…), fundada no conhecimento dos sócios da empresa”.
Esse pró-reitor e o próprio Ivonildo Rego não chegaram sequer a datar alguns dos documentos que assinaram. No entender do MPF, uma indicação de que sabiam da confecção fraudulenta dos autos e pretendiam “dissimular sua participação no ilícito mediante artifícios extras”. Alguns desses papeis, dentre os quais pareceres técnicos e até mesmo o parecer jurídico do procurador-geral Giuseppi da Costa, datado de 4 de maio de 2011, supostamente são anteriores à expedição das certidões de regularidade fiscal da empresa e não poderiam ter sido emitidos sem essas certidões.
Fim de gestão – O contrato foi assinado em 25 de maio de 2011, três dias antes do fim do mandato de Ivonildo Rêgo. Em seu relatório, a CGU descreve: “as irregularidades apontadas não podem ser consideradas erros pontuais, devido à quantidade e natureza das divergências entre a data de emissão e/ou teor do documento e o momento de inclusão dos documentos no processo (…) e indicam que houve tratamento privilegiado à empresa do dirigente”.
Para o MPF, o processo não passou de um “aglomerado de documentos públicos ideologicamente falsos”, produzidos e agrupados às pressas dias antes do fim da gestão de Ivonildo Rêgo. “Trata-se de uma simulação criminosa de procedimento de dispensa de licitação cujo objetivo era beneficiar, isoladamente, Gleydson de Azevedo Ferreira Lima”.
As investigações apontaram, até mesmo, que a SIG chegou a ocupar três salas da Superintendência de Informática da UFRN, apesar de a empresa ter sido selecionada para “incubação não presencial”, ou seja, receberia apoio da universidade, mas deveria funcionar em sede própria, fora da instituição.
A ação penal tramita na Justiça Federal sob o número 0000605-28.2016.4.05.8400.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no RN
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