Quadrilha com juiz e advogados inventa filhos para roubar milionários em Goiás
Foto: Ilustrativa
Um “faz de conta” criminoso vem provocando estragos na vida real. Histórias mentirosas, contadas na Justiça, já somam um prejuízo de pelo menos R$ 18 milhões e, agora, são denunciadas pelo Ministério Público.
Entre as vítimas, vivos e mortos que tiveram contas bancárias zeradas de uma hora para outra. Entre os acusados, um juiz que fraudava decisões para favorecer a organização criminosa. O Fantástico segue os rastros dos personagens dessa trama de corrupção.
Eucrídia Barbosa da Silva, 44 anos, é moradora de Inhumas, em Goiás. Na última sexta-feira (22), ela recebeu um título na Câmara Municipal de Goiânia. Eucrídia também tem programa numa TV local e, nas redes sociais, posta fotos com o pai biológico, para quem se declara.
Na Justiça, no entanto, Eucrídia afirmou desconhecê-lo. Inclusive, disse que foi abandonada por ele. E pediu o reconhecimento da chamada paternidade socioafetiva pelo vínculo de convivência com um francês, Roger Lavallard, que morreu em 2010. Um homem que ela nunca conheceu.
Ela conseguiu e passou a se chamar Eucrídia Luzia Barbosa da Silva Lavallard. Seis dias depois, ela fez um novo pedido: acesso à conta corrente do suposto pai. A decisão saiu no mesmo dia. Detalhe: o francês foi professor do Departamento de Biologia da USP, não tinha família no Brasil e deixou uma conta bancária milionária.
“Quem não quer ficar rica, né, gente?”, disse Eucrídia em seu programa.
Pois bem, o irmão da Eucrídia também queria. Niemier Barbosa entrou na Justiça com um pedido para que fosse reconhecido como filho de uma mulher que ele nunca viu na vida e que teria morrido há mais de dez anos. Na sequência, também pediu judicialmente para sacar a fortuna da conta da suposta mãe: mais de R$ 2,4 milhões.
Eucrídia e Niemier tinham o mesmo advogado e mais algumas coincidências: pediram reconhecimento de paternidade no mesmo dia, e com as mesmas testemunhas.
Em 2020, uma investigação do Fantástico já havia apurado fraudes processuais para levantar dinheiro de heranças ou contas bancárias milionárias sem movimentação no país. Segundo o Ministério Público, a organização funcionava assim:
Um grupo se apresentava como personagens de uma história mentirosa para pedir reconhecimento de paternidade: oito advogados cuidavam dos falsos processos; dois ex-policiais escolhiam as vítimas – que tinham contas bancárias milionárias sem movimentação há um bom tempo; e a figura principal, o juiz.
De acordo com a denúncia do MP, no topo dessa estrutura engenhosa está Levine Raja Artiaga. Para não se expor, segundo as investigações, o juiz mantinha contato com apenas um integrante da organização criminosa. E essa pessoa tinha a função de entrar em contato com os advogados envolvidos no esquema e repassar para o magistrado o dinheiro do golpe.
A Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás está fazendo um levantamento das decisões do juiz Levine, e os promotores que combatem o crime organizado encontraram pelo menos 43 ações suspeitas. Em seis delas, segundo o MP, foram comprovados vários crimes. Entre eles, corrupção.
Somados os crimes, a pena poderia chegar a 240 anos de prisão para Levine Raja Artiaga, que já foi afastado duas vezes do cargo. A primeira, em dezembro do ano passado. A segunda, uma semana depois da visita da nossa reportagem ao Fórum. E ele continua afastado até hoje.
O Fantástico apurou que o juiz Levine entrou este mês com pedido de aposentadoria. O motivo? Invalidez. Em nota, a defesa do juiz diz que ele foi vítima da quadrilha e que a falsificação dos documentos não era perceptível. Sobre o pedido de aposentadoria por problema de saúde, esclarece que está em fase de perícia.
A Corregedoria do Tribunal de Justiça de Goiás disse que o futuro da carreira de Levine deve ser decidido na próxima quarta-feira. Assista à reportagem em vídeo para mais detalhes e informações das fraudes no Judiciário. VEJA MAIS EM G1
Escreva sua opinião
O seu endereço de e-mail não será publicado.