TCE-BA vê ‘gestão temerária’ na compra dos respiradores
Foto: Reprodução/Arquivo
Documentos do Tribunal de Contas da Bahia (TCE-BA) apontam indícios de irregularidades na compra de respiradores por R$ 49 milhões pelo Consórcio do Nordeste. Segundo parecer prévio, auditoria tem “achados que caracterizam uma gestão temerária de recursos públicos”.
O material faz parte de documentação em análise pela CPI da Covid na Assembleia Legislativa. O parecer prévio no qual consta estas informações foi um dos elementos técnicos que fundamentou a análise pelo TCE-BA, em agosto deste ano, das contas de 2020 do governador da Bahia, Rui Costa.
Em seu voto, a relatora e conselheira do TCE-BA, Carolina Costa, disse que as contratações realizadas “com pagamentos antecipados de valores elevados, sem a devida avaliação do risco de inadimplência dos fornecedores” e ainda “sem adoção das devidas garantias nos instrumentos contratuais”, os quais já previam “condições extremamente desfavoráveis ao comprador”.
O documento do TCE-BA relata que individualmente ou em conjunto com o Consórcio Nordeste, à época presidido pelo governador Rui Costa, o Estado da Bahia efetuou contratações que importaram em R$ 189 milhões para a aquisição de 1.879 aparelhos, mas só recebeu 219 respiradores.
Segundo o parecer, embora parte dos valores pagos antecipadamente sem a correspondente entrega tenha sido devolvida por empresas contratadas, “ainda permanecem pendentes de recebimento” valores correspondentes a aquisições realizadas, por exemplo, com a Hempcare Pharma, no valor de R$ 48,7 milhões. Essa compra foi rateada entre os Estados que integram o Consórcio e para a qual o RN destinou R$ 4,9 milhões. Os respiradores foram pagos à empresa, mas não chegaram a ser entregues, inclusive ao Rio Grande do Norte.
O que também chamou a atenção da unidade técnica do TCE baiano, foi a celebração de um contrato milionário com uma empresa que tinha apenas R$ 100 mil de capital social, correspondente a 0,2% do valor do contrato, e registrada na Junta Comercial de São Paulo, apenas nove meses antes da contratação.
A auditoria do TCE-BA identificou, ainda, que as cláusulas de garantia e responsabilidades da Hempcare se configuravam frágeis, pois a contratada não se responsabilizaria, salvo pela contratação do seguro, “por eventos de caso fortuito ou força maior que possam atrasar ou até inviabilizar, a entrega dos produtos”.
O Controle Externo do TCE- BA avaliava a necessidade de aquisição de bens necessários ao enfrentamento da Covid-‘9 “não autoriza o descuido com a avaliação de riscos e a verificação de condições mínimas de atendimento da oferta pelos contratos, assim como a total dispensa de qualquer forma de garantia de recebimento, de modo que não seria razoável esperar que agentes públicos cometessem erros grotescos dessa natureza”.
Esses documentos nos quais constam a análise feita pelos técnicos do TCE da Bahia na qual aponta as suposta irregularidade cometidas pelo Consórcio Nordeste em 2019, na época liderado pelo governo baiano , foram enviados à CPI da Covid, em funcionamento na Assembleia Legislativa. A CPI investiga a compra dos respiradores que foram pagos, no momento crítico da pandemia, e jamais entregues pela empresa.
Na sexta-feira (6), o governo do Estado anunciou que obteve liminar favorável, em ação civil pública, para assegurar a devolução dos recursos públicos utilizados como pagamento dos respiradores adquiridos por intermédio do Consórcio NE, mas não entregues pela empresa contratada. “A decisão prevê o bloqueio de valores”, informou o governo.
Empresa teria apontado dificuldades na crise
Documentos também disponíveis no portal do Consórcio Nordeste apontam que em três oportunidades, pelo menos, a própria empresa Hempcare Pharma informou que estava tendo dificuldades para cumprir a entrega dos 300 respiradores negociados com intermediação do governo da Bahia.
Em mensagens encaminhadas ao Consórcio Nordeste, a sócia da Hempcare, Cristiana Prestes Taddeo, informava das dificuldades que estava tendo para importar os aparecelhos de ventilação da China.
Inicialmente, as datas previstas nos contratos eram para a entrega de 150 respiradores no dia 18 de abril e outros 150 no dia 24 de abril de 2020.
Mas, Cristiana P. Taddeo depois avisou que depois da previsão de saída dos ventiladores da China em 25 de abril, destacou que, em razão da crise global vivenciada em decorrência da pandemia de Covid-19 [situação sem precedentes na história], “a Hempcare vinha enfrentando importantes dificuldades operacionais, as quais eram absolutamente imprevisíveis até o presente momento”.
Dentre dificuldade, segundo Cristiana Taddeo, “a mais relevante se mostrou a necessidade de realização de testes nos equipamentos, com vistas a evitar/prevenir falhas técnicas”.
Em razão de tais dificuldades, a Hempcare agendou duas datas para a remessa dos ventilares pulmonares, uma no dia 1° de maio de 2020 e outra no dia 2 de maio de 2020 – e embarque no aeroporto de Guangzhou-Guangdong [China].
Na ocasião, a empresária Cristiana Taddeo dizia que “em razão da boa-fé com sempre pauta suas atitudes, em especial no que diz respeito ao contrato administrativo em questão, a Hempcare entregará 30 ventiladores pulmonares extras ao consórcio (10% dos ventiladores pulmonares contratados), como forma de pagamento da multa contratual, evitando qualquer prejuízo decorrente do atraso na remessa dos equipamentos da China”.
No entanto, os contratempos não pararam por ai. A Hempcare voltou a avisar, que “tal como informado no ofício enviado no dia 29 de abril de 2020, o embarque dos ventiladores pulmonares no aeroporto de Guangzhou-Guangdong [China] estava programado para o dia de hoje, 02 de maio de 2020”.
Essa data já levava em consideração a necessidade de substituição das válvulas pneumáticas dos aparelhos., entretanto fora informada pelo fornecedor chinês que “as válvulas de reposição adquiridas por eles foram enviadas para um modelo diferente de ventiladores pulmonar, o que impossibilitou o reparo a tempo da remessa”.
Segundo a Hempcare, conforme comunicação oficial do fornecedor chinês, a nova substituição das referidas válvulas levaria cinco dias úteis, “sendo que os ventiladores estarão prontos para embarque na próxima sexta-feira, dia 8 de maio de 2020”.
Cristiana Taddeo disse que o fornecedor chinês cobrou um valor expressivo pela substituição das referidas válvulas, sendo certo que a Hempcare arcaria com 100% desse custo, “sem qualquer pedido de aditivo contratual ou reequilíbrio econômico-financeiro”.
“Entretanto, apesar de nossos intensos esforços e contatos constantes com o fornecedor chinês, não houve o embarque dos referidos ventiladores pulmonares na data programada [08 de maio de 2020]”, voltou a justificar a Hempcare.
A empresa explicava que isso se deu em razão de dois motivos principais: a continuidade do problema envolvendo as válvulas pneumáticas e as mudanças abruptas de regras governamentais chinesas, “ocorridas da noite para o dia, que limitaram a quantidade de produtos que podem ser objeto de embarque e criaram dificuldade adicionais e inesperadas para a exportação de produtos fabricados naquele País, o que, inclusive, implicou na retenção de respiradores adquiridos pelo Estado de São Paulo, como noticiou a mídia nacional”.
POR TRIBUNA DO NORTE
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