“Tributo provisório não resolve rombo da Previdência”, diz consultor da Câmara Federal
Com a volta da CPMF, governo quer solucionar problema crônico de maneira provisória. O risco é de imposto nunca mais cair.
O governo diz que a nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) será mesmo temporária, com duração de quatro anos. Há motivos para duvidar. A versão anterior do tributo, que também seria passageira, durou uma década e só foi derrubada a muito custo. O suposto objetivo desta releitura – financiar o déficit da Previdência Social – também leva a crer que a contribuição, se aprovada pelo Congresso, terá vida longa.
Sem uma revisão nas regras de acesso à aposentadoria e de reajuste do salário mínimo, que corrige quase dois terços dos benefícios, o rombo do INSS continuará aumentando. A necessidade de recursos para cobri-lo, também. “Para ajudar a Previdência, a CPMF teria de ser permanente, e crescente. Mas é óbvio que não é aumentando a carga tributária, que já é enorme, que isso será resolvido”, diz Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados.
A evolução do déficit neste ano, em particular, é assustadora. De um lado, a alta do desemprego e o avanço mais fraco dos salários reduziram as contribuições ao INSS. De outro, a quantidade e o valor dos benefícios só aumentam – 62% dos aposentados e pensionistas recebem o piso previdenciário, equivalente a um salário mínimo, que neste ano foi reajustado em quase 9%.
Com isso, o resultado negativo aumentou 40% em relação a 2014, chegando a R$ 39,4 bilhões até julho. O Ministério da Previdência, que no início do ano esperava um déficit de R$ 66,7 bilhões até dezembro, reajustou a projeção para R$ 88,9 bilhões. Para 2016, quando o salário mínimo deve subir perto de 10%, a estimativa saltou de R$ 81,1 bilhões para R$ 124,9 bilhões.
Apesar do custo que pode impor aos brasileiros, uma CPMF de 0,2% geraria recursos para cobrir apenas uma fração desse buraco – R$ 32 bilhões em um ano, segundo a projeção do governo. Uma alíquota de 0,38%, como propõem governadores alinhados ao Planalto, significaria uma arrecadação de R$ 60 bilhões, pouco menos da metade do rombo estimado para o INSS no ano que vem. Incluindo na conta o déficit da previdência dos servidores da União, estimado em R$ 70 bilhões, o impacto é ainda mais brando.
“Se passar pelo Congresso, o que acho difícil, o risco é de que a CPMF seja provisória só no nome”, avalia Alexandre Motonaga, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV/Eaesp). “É grande a chance de que, em quatro anos, o governo anuncie que o imposto continuará necessário, por dificuldade orçamentária e para o bem das aposentadorias.”
O Planalto argumenta que a dificuldade é transitória e que, portanto, a CPMF também o será. “Nós sabemos que este período tem uma depressão cíclica na Previdência”, disse a presidente Dilma Rousseff ao defender o tributo, que apelidou de “CP-Previ”. Mas, alheia à tal depressão cíclica, segue em marcha uma inescapável transição demográfica. Com o passar dos anos, a força de trabalho vai diminuir e o número de aposentados, aumentar. A situação da Previdência, já espantosa para um país cuja população ainda é relativamente jovem, tende a piorar.
Em 2013, havia 9,3 brasileiros em idade ativa para cada pessoa com mais de 65 anos. Projeções do IBGE indicam que, até 2030, essa relação cairá a 5,1 ativos por idoso. Em 2060, serão 2,3 para um. Com menos contribuintes e mais beneficiários, o déficit do INSS, que em 2014 foi equivalente a 1,03% do PIB, chegará a 2% em 2030 e passará de 9% em 2060, segundo o Ministério da Previdência.
VEM REFORMA?
Circulam rumores de que, para angariar apoio à recriação “temporária” da CPMF, o Ministério da Fazenda vai defender uma reforma do INSS que inclua a fixação de idade mínima para aposentadoria. Sabe-se, no entanto, que é grande a distância entre o que pensam os técnicos do governo e a presidente Dilma. E, mesmo que ela encampe a ideia, o Congresso já deu mostras de que caminha no sentido oposto – há apenas três meses, o Legislativo facilitou o acesso à aposentadoria integral.
Impacto na economia é bem maior que “dois milésimos”
A alíquota de 0,2% faz a CPMF parecer insignificante. Ao apresentá-la, o ministro Joaquim Levy insistiu que “é um imposto pequenininho, de dois milésimos” do sanduíche ou da entrada do cinema. Não é bem assim.
A CPMF é cumulativa, o que multiplica seu impacto. “A alíquota é cobrada em todas as etapas. Quanto mais longa a cadeia produtiva de uma mercadoria, maior será o peso do tributo. E esse custo é repassado ao preço”, explica o tributarista Bernardo Oliveira, diretor da Anderson Tax. O imposto não para por aí. Se usar cartão de débito para comprar tal produto, o consumidor pagará mais uma vez os tais dois milésimos.
Não é por acaso que, no período em que esteve em vigor, o peso da CPMF na economia brasileira foi sempre muito superior ao tamanho da alíquota. Em 1997 e 1998, quando ela era de 0,2%, a arrecadação do imposto somou o equivalente a 0,72% e 0,81% do PIB, respectivamente. De 2001 a 2007, quando a alíquota esteve em 0,38%, as receitas oscilaram sempre entre 1,31% e 1,37% do PIB.
É possível que o peso da contribuição seja ainda maior agora, já que a “bancarização” da população aumentou. Em 2007, 62 milhões de brasileiros tinham conta corrente; hoje são 91 milhões. Em paralelo, a popularização dos cartões e do comércio eletrônico inflou a quantidade de transações tributáveis.
A CPMF tem outro problema. Embora o governo defenda que ela é “justa” por atingir todas as classes sociais, na verdade ela é regressiva, ou seja, penaliza quem ganha menos. Isso porque, mesmo que não tenham conta bancária, os mais pobres pagam a CPMF que vem embutida nos produtos. Como o consumo abocanha a maior parte da renda das classes baixas, elas pagam proporcionalmente mais imposto.
Gazeta do Povo
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