TRT15 não homologa acordo entre Uber e motorista e reconhece vínculo empregatício
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A 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) reconheceu vínculo empregatício entre um motorista e a Uber, e não homologou acordo que a empresa havia feito com o motorista um dia antes do julgamento. O tribunal, por unanimidade, entendeu que houve tentativa de fraude trabalhista por parte da empresa.
Em novembro de 2019, o motorista ajuizou reclamação trabalhista pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício, bem com o pagamento de verbas rescisórias e de dano moral. Em primeira instância, o pedido foi negado, e o trabalhador recorreu. O julgamento foi marcado para 20 de abril de 2021, mas no dia anterior, as partes informaram ao tribunal que haviam entrado em acordo. A 6ª Turma do TRT15 negou homologar o acordo.
O desembargador relator, João Batista Martins César, apontou que o valor do acordo, de R$ 35 mil, “não é razoável, considerando o valor de remuneração apontado (R$ 3.000,00), o tempo do contrato de trabalho (aproximadamente um ano) e os direitos incidentes à hipótese”. Foi destacado que, na primeira instância, a Uber não havia apresentado nenhuma proposta de conciliação, e por isso o desembargador vislumbrou indícios de que a empresa se utilizou do acordo para impedir o julgamento. Para os magistrados, não há direito líquido e certo quanto à homologação do acordo no âmbito judicial.
Em relação ao vínculo empregatício, a 6ª Turma entendeu que, com a formalização de acordos judiciais, as empresas de caronas por aplicativo “dirigem jurisprudência em um único sentido, que não corresponde, necessariamente, ao que a ciência do Direito vem construindo a respeito do tema, provocando acesso desigual à Justiça e vício na construção da jurisprudência como espaço democrático de formação dos direitos, para então reproduzir, nos processos, o argumento de que ‘a jurisprudência é firme no sentido de afastar o vínculo de emprego entre os motoristas parceiros e a Uber’”.
Para o TRT15, a finalidade da adoção dessa estratégia de conciliação seletiva não é firmar acordos, mas impedir a formação de jurisprudência reconhecedora de direitos trabalhistas aos motoristas, “manipulando e obstruindo a pluralidade de entendimentos jurisdicionais sobre o tema”, o que seria um abuso do direito.
O colegiado entendeu que estão presentes todos os requisitos para caracterizar o vínculo empregatício, como a pessoalidade, subordinação, habitualidade, onerosidade e a fixação de regras pela empresa ao trabalhador.
Em relação à subordinação, de acordo com documentos e testemunhas, o tribunal trabalhista entendeu que ela se manifesta de várias maneiras, como nas cobranças sofridas pelos motoristas, de modo a realizar o maior número possível de viagens; no fato de os motoristas conhecerem o destino da viagem apenas no seu início, nunca antes, o que esvazia a sua autonomia com relação à organização da atividade, já que o poder sobre a distribuição das viagens pertence à plataforma; e no recebimento de reclamações dos clientes e aplicação de penalidades aos motoristas, exercendo poder disciplinar por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma.
Em relação à onerosidade, os desembargadores afirmaram que a Uber concentra em seu poder a maior parte dos valores pagos pelos usuários. Além disso, de acordo com o contrato de Termos e Condições da Uber, o motorista é obrigado a cumprir regras previamente estipuladas pela empresa, como manter avaliação média que exceda a média mínima aceitável pela plataforma para o território, evitar o cancelamento de solicitações de viagens e aceitar, como forma de pagamento, o cartão de crédito via aplicativo, além do cálculo preestabelecido pela reclamada para o valor do serviço, com proibição de majoração dos valores e restrição aos descontos.
Já como demonstração da pessoalidade, os desembargadores verificaram que o dispositivo da Uber é de uso exclusivo do motorista, e de nenhuma outra pessoa, física ou jurídica. “Note-se que a pessoalidade se dá entre a empresa e o motorista e não entre o condutor e o passageiro. Em atenção às razões recursais, acrescente-se que a possibilidade de que os serviços sejam prestados por pessoas físicas que ofereçam serviços de transportes de passageiros ponto a ponto ou por empresas de transporte independentes que possuam um único veículo ou frota, não exclui e tampouco afasta o requisito pessoalidade, no caso, pois não há prova de que o autor tenha se valido da força de trabalho alheia para a execução de suas atividades”, afirma o relator no acórdão.
“A empresa instrumentaliza o serviço durante todo o dia por meio de estímulo às jornadas extensas, com prêmios. O algoritmo procura melhorar a remuneração desses trabalhadores nos horários em que há maior necessidade dos usuários da plataforma. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre”, argumenta o relator.
Na fundamentação da decisão, o relator citou o artigo “Com motoristas empregados, o Uber acaba?“, de autoria do do procurador do Trabalho Cássio Casagrande, colunista do JOTA e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense. Ao final, os desembargadores reconheceram o vínculo empregatício entre o motorista e a Uber nos períodos de 10/8/2017 a 17/7/2018 e de 26/7/2019 a 24/9/2019, com salário mensal de R$ 3.000,00.
Cabe recurso da decisão, cujo processo tramita com o número 0011710-15.2019.5.15.0032. Procurada, a Uber não se manifestou até a publicação desta reportagem. POR JOTA
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